TALVEZ
NINGUÉM TENHA PENSADO NA GRANDE METÁFORA EXISTENTE NO LAÇO ENTRE O SER HUMANO E
O SEU COLCHÃO. Eu pensei. Não sou nenhum filósofo, assim como não me dou o
direito de citar algum. Não conheço bem nenhum e não tenho envergadura moral
para mentir sobre Filosofia. Enfim, querendo ou não, eu – não-filósofo – pensei
em algo muito maior que o meu ser ou não ser ao ver um amontoado de colchões
macios e carentes.
É
sabido que despertar é nascer e que dormir é morrer, mas a vida tem muito mais
que isso, a vida tem muito mais do que clichês encontrados em biscoitos chineses
que nunca comi. É possível encontrar tanta diversão em um colchão, tanto
carinho; isso acontece da criancice à velhice, da eloquência de uma dissertação
sobre os problemas do Brasil à chatice de estar com a perna quebrada que eu
nunca quebrei como todo garoto normal. Eu, quando pequeno, construí fortes
intransponíveis feitos de inofensivos e confortáveis colchões. Fiz escorregadores
e inclusive me envolvi em um acidente sangrento por causa disso – uma história de
outros carnavais.
Quando adolescente, descobri que o colchão escuta os meus
pensamentos e mesmo à companhia do travesseiro nunca espalhou meus segredos. Meu
colchão nunca julgou paixões. Nunca reclamou se eu dormi de pijamas ou nu.
Hoje, aos dez e oito, sei que ele é solitário e precisa de um corpo para se
aquecer, por que a química universal decidiu que não existe troca de calor
entre o lençol e a cama. Sei que ele gosta tanto de companhia que aceita,
tranquilamente, o papel de terceiro membro do ménage se o cobertor, o lençol e o travesseiro forem considerados
acessórios. O colchão geme e você nem tinha reparado. E eu
pensei ao ver um monte de camas desarrumadas.
Os colchões vão ser também o abrigo dos doentes.
O mesmo que se divertiu com você, em algum momento vai sofrer te
acompanhando na velhice. E se você já tiver trocado de cama, receberá o mesmo
suporte. Fodam-se os cães e três vivas para os colchões: verdadeiros melhores amigos do homem.
Pois
bem. Devemos dedicar aos nossos colchões, aquele um terço de vida dormida. Aquele um terço de vida sonhada. Companheirismo! O colchão, objeto peculiar que varia em tamanhos, tipos, cores, idades, preços e tudo, muda
pouco se posto ao lado de seu companheiro. E sabe qual é o motivo? Simples: o
colchão somos nós. Se estamos sozinhos, ele é solteiro. Se estamos
acompanhados, ou faz um esforço e aguenta os pombinhos ou é casal. Assim, ao invés
de perguntar para alguém: “Quer casar comigo?” pergunte: “Quer dividir um colchão comigo?”.
Uma vida, muitas aventuras. Obrigado, colchão.

Nenhum comentário:
Postar um comentário