terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Vida no colchão

TALVEZ NINGUÉM TENHA PENSADO NA GRANDE METÁFORA EXISTENTE NO LAÇO ENTRE O SER HUMANO E O SEU COLCHÃO. Eu pensei. Não sou nenhum filósofo, assim como não me dou o direito de citar algum. Não conheço bem nenhum e não tenho envergadura moral para mentir sobre Filosofia. Enfim, querendo ou não, eu – não-filósofo – pensei em algo muito maior que o meu ser ou não ser ao ver um amontoado de colchões macios e carentes.

É sabido que despertar é nascer e que dormir é morrer, mas a vida tem muito mais que isso, a vida tem muito mais do que clichês encontrados em biscoitos chineses que nunca comi. É possível encontrar tanta diversão em um colchão, tanto carinho; isso acontece da criancice à velhice, da eloquência de uma dissertação sobre os problemas do Brasil à chatice de estar com a perna quebrada que eu nunca quebrei como todo garoto normal. Eu, quando pequeno, construí fortes intransponíveis feitos de inofensivos e confortáveis colchões. Fiz escorregadores e inclusive me envolvi em um acidente sangrento por causa disso – uma história de outros carnavais. 

Quando adolescente, descobri que o colchão escuta os meus pensamentos e mesmo à companhia do travesseiro nunca espalhou meus segredos. Meu colchão nunca julgou paixões. Nunca reclamou se eu dormi de pijamas ou nu. 

Hoje, aos dez e oito, sei que ele é solitário e precisa de um corpo para se aquecer, por que a química universal decidiu que não existe troca de calor entre o lençol e a cama. Sei que ele gosta tanto de companhia que aceita, tranquilamente, o papel de terceiro membro do ménage se o cobertor, o lençol e o travesseiro forem considerados acessórios. O colchão geme e você nem tinha reparado. E eu pensei ao ver um monte de camas desarrumadas. 

Os colchões vão ser também o abrigo dos doentes. O mesmo que se divertiu com você, em algum momento vai sofrer te acompanhando na velhice. E se você já tiver trocado de cama, receberá o mesmo suporte. Fodam-se os cães e três vivas para os colchões: verdadeiros melhores amigos do homem.

Pois bem. Devemos dedicar aos nossos colchões, aquele um terço de vida dormida. Aquele um terço de vida sonhada. Companheirismo! O colchão, objeto peculiar que varia em tamanhos, tipos, cores, idades, preços e tudo, muda pouco se posto ao lado de seu companheiro. E sabe qual é o motivo? Simples: o colchão somos nós. Se estamos sozinhos, ele é solteiro. Se estamos acompanhados, ou faz um esforço e aguenta os pombinhos ou é casal.  Assim, ao invés de perguntar para alguém: “Quer casar comigo?”  pergunte: “Quer dividir um colchão comigo?”. 

Uma vida, muitas aventuras. Obrigado, colchão.

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