domingo, 16 de novembro de 2014

É, agora não tem volta

ÀS VEZES NOS DEPARAMOS COM COISAS ASSUSTADORAS DEMAIS PARA SER VERDADE. Só que essas coisas existem e fazem questão de dizer em alto e bom som: “Ei, sou de verdade”. Refiro-me às pessoas ao nosso redor. Quem diria que eu, outrora um moleque sem pretensões para com a dona Vida, cresceria e me enxergaria grande como os que perambulam ao meu redor. Quem diria que eu olharia para crianças e adolescentes e os reconheceria como crianças e adolescentes. Eu não sou mais, pelo menos no que recheia o meu ego, o bebê da mamãe. Sou agora o bebê que vai chorar se for demitido, o bebê que vai chorar se perder a chave do carro, o bebê que já pode ser preso mesmo sem ter cometido um crime, afinal, a Vida tem dessas coisas. E sinceramente, do jeito que essa anda apaixonada comigo, envelhecendo-me dia após dia, música após música, dando-me presentes gregos como rugas e dores nas costas, já sei que não tem mais volta. Não adianta pensar que ontem eu não tinha barba ou que meu pai puxou a minha orelha por que respondi mal a um senhor de idade. Resta esperar que uma garota ou um garoto me trate com falta de respeito para eu poder observar, com um rosto senil, uma mamãe ou um papai puxando a orelha desta criança, que estava só fazendo o papel dela de não ir com a cara de velhos estranhos.

Ai, como dói não ter a orelha puxada. Como sinto falta de pular amarelinha na chuva, ou de arrumar a cama por dinheiro, ou escorregar no morro gramado ao lado da capela perto da minha casa esconder debaixo da maca para não ter que tirar sangue comer e não engordar correr e não cansar apanhar para não ficar de castigo ficar de castigo para não apanhar.

Por outro lado – mais especificamente o lado bom de ser grande –, estou realizando sonhos de criança. Já faço a barba, moro sozinho, fico de pijama o dia todo sempre que possível, durmo bem tarde e outras coisas mais. Tenho carteira de motorista (que alguns chamam de carta), envio cartas de amor (que alguns chamam de carteiras), trabalho com o que gosto, escrevo melhor, converso melhor, escuto melhor, expresso-me.

Tudo bem, sinto-me menos mal, menos velho do que finjo ser. Mas ainda não acostumei-me com a ideia de ver outros adultos como semelhantes. Espero que não leve muito tempo para assimilar isso, afinal, quero poder experimentar esse estranhamento quando for um idoso também. E por fim, quando for um presunto.



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