quarta-feira, 26 de novembro de 2014

No bar

EXISTE ALGUM LUGAR MAIS DOCE E PROPÍCIO NESTE MUNDO PARA SER ANTRO DE DISCUSSÕES FILOSÓFICAS ACALORADAS E DISSIMULANTES QUE UM BAR? O som de bossa nova escorrendo dos alto-falantes velhos, de segunda mão; o cheiro de óleo de ontem e de batata sendo frita desde ontem; as lâmpadas sempre forçadas a trabalhar à meia-luz a brisa da noite que atinge em cheio o segundo andar o movimento das garçonetes e dos garçons as cantadas as contra-cantadas os tapas na cara os beijos os clientes conversando cada vez mais alto e mais alto numa disputa com a bossa nova que suprime o cheiro d’óleo mas não ameniza tom etílico das palavras proferidas pelos Poetas, Filósofos e Antropólogos ali presentes.

Ah, foi num Bar que conheci meu novo amigo que não é crítico literário, não é universitário, não é cabeça-dura, porém é. Meu amigo, além de tudo que pôde, pode ou poderá ser, é um apaixonado. A paixão dele chega a ser doentia, obsessiva. Mas o que nessa vida duvidosa é são? Só por que eu não bebo sou mais sóbrio que os pinguços? Não vou negar meu apreço pela minha sobriedade, porém, não sei o que é sobriedade para os outros. Não sei qual é o seu estado pleno de paz. A única coisa que sei é que tenho um amigo apaixonado.

Aprendi muito com ele. Fui paciente. Fui honesto. E principalmente, fui mais ouvinte que falante. Deixei a prosa com ele para depois contar sobre ele em prosa. Eu comentava os dizeres, é claro, mas praticamente só balançava a cabeça concordando ou discordando.

Estávamos em pé, com outras pessoas, mas, por algum motivo, eu me tornei o centro das atenções. O rumo da conversa foi direcionado ao meu eu escritor e me senti como o eu lírico em uma poesia: tenso; “a qualquer momento, o Poeta pode me matar”. Repito que não bebo e não bebi nenhuma gota do produto dourado que não é urina, mas faz urinar. Tudo o que fiz foi aprender e me soltar de pouco em pouco. Fiquei confortável e cada vez mais apto a trocar minha sobriedade pelo sabor de uma bebida nova. Essa bebida, que agora carrego debaixo do baixo, para cima e para braço, é o conhecimento extenso que agreguei naquela mesa de bar. Foram horas felizes de conversa. Quatro pessoas começaram suas dissertações sobre a vida e quatro pessoas engrandecidas terminaram diferentes e, julgo eu, melhores.

No Bar, dá para ficar tonto sem se embebedar. No Bar, dá para soluçar poesia, arrotar epopeias e reclamar das ressacas que passaram e das que hão... de... passar... No Bar.



sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Não seja ganancios@

SEJA EM HISTÓRIAS DE PESSOAS DESCONHECIDAS OU EM TRECHOS DE MÚSICA, A GANÂNCIA EXISTE PARA NOS DERRUBAR. Você já deve ter esbarrado com a ambição e confundido com a irmã, Ganância. Contudo, deve ficar clara a diferença entre uma e outra.

A Ambição pode ser ruim às vezes, mas se você é ambicioso no sentido de estar sempre crescendo, sem atrapalhar o crescimento das outras pessoas, continue assim. Já a quase-gêmea é ardilosa. Você não precisa de alguma coisa. Você está satisfeito e continuará satisfeito, só que - vou tomar de empréstimo uma expressão muito usada por minha mãe - ficou com os olhos maiores que a barriga. Ah, isso é uma senhora armadilha e deixo bem claro que não é uma arapuca para pegar mulher casada, não mesmo. Pois então, tudo isso foi para eu preparar o terreno e afirmar com todas as letras: eu fui ganancioso. 

Não me orgulho, porém fui humilde o suficiente para admitir que fiz a coisa errada, correto? Esse é o primeiro passo. Na hora do almoço, tenho o direito de comer um doce dos dois ofertados no Restaurante Setorial, a.k.a Bandejão, da universidade. E eu dobrei minha índole. Isso mesmo. Eu peguei dois. Olhei para um lado e para o outro e mesmo cercado de testemunhas fui discreto o suficiente para usurpar do direito de alguém para me beneficiar com mais açúcar (para ficar claro, peguei dois docinhos iguais).

É claro que no final, levei uma rasteira da Karminha. Cheguei em casa e fiquei um bom tempo no banheiro pagando por minha ganância. A desidratação e o sentimento de não vou fazer isso de novo chegaram à galope e minutos depois eu estava sentado escrevendo uma crônica sobre isso. Moral da história: evite ser ganancioso. Se eu tivesse tido a ambição de pegar dois doces para vendê-los tudo teria terminado bem.

domingo, 16 de novembro de 2014

É, agora não tem volta

ÀS VEZES NOS DEPARAMOS COM COISAS ASSUSTADORAS DEMAIS PARA SER VERDADE. Só que essas coisas existem e fazem questão de dizer em alto e bom som: “Ei, sou de verdade”. Refiro-me às pessoas ao nosso redor. Quem diria que eu, outrora um moleque sem pretensões para com a dona Vida, cresceria e me enxergaria grande como os que perambulam ao meu redor. Quem diria que eu olharia para crianças e adolescentes e os reconheceria como crianças e adolescentes. Eu não sou mais, pelo menos no que recheia o meu ego, o bebê da mamãe. Sou agora o bebê que vai chorar se for demitido, o bebê que vai chorar se perder a chave do carro, o bebê que já pode ser preso mesmo sem ter cometido um crime, afinal, a Vida tem dessas coisas. E sinceramente, do jeito que essa anda apaixonada comigo, envelhecendo-me dia após dia, música após música, dando-me presentes gregos como rugas e dores nas costas, já sei que não tem mais volta. Não adianta pensar que ontem eu não tinha barba ou que meu pai puxou a minha orelha por que respondi mal a um senhor de idade. Resta esperar que uma garota ou um garoto me trate com falta de respeito para eu poder observar, com um rosto senil, uma mamãe ou um papai puxando a orelha desta criança, que estava só fazendo o papel dela de não ir com a cara de velhos estranhos.

Ai, como dói não ter a orelha puxada. Como sinto falta de pular amarelinha na chuva, ou de arrumar a cama por dinheiro, ou escorregar no morro gramado ao lado da capela perto da minha casa esconder debaixo da maca para não ter que tirar sangue comer e não engordar correr e não cansar apanhar para não ficar de castigo ficar de castigo para não apanhar.

Por outro lado – mais especificamente o lado bom de ser grande –, estou realizando sonhos de criança. Já faço a barba, moro sozinho, fico de pijama o dia todo sempre que possível, durmo bem tarde e outras coisas mais. Tenho carteira de motorista (que alguns chamam de carta), envio cartas de amor (que alguns chamam de carteiras), trabalho com o que gosto, escrevo melhor, converso melhor, escuto melhor, expresso-me.

Tudo bem, sinto-me menos mal, menos velho do que finjo ser. Mas ainda não acostumei-me com a ideia de ver outros adultos como semelhantes. Espero que não leve muito tempo para assimilar isso, afinal, quero poder experimentar esse estranhamento quando for um idoso também. E por fim, quando for um presunto.